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A omissão do Poder Legislativo e a necessidade de intervenção do Poder Judiciário na efetivação de Direitos da população LGBTQIAPN+
Renan Beltrame Silveira[1]
renan@renanbeltrame.adv.br
Desde a redemocratização do Brasil com a promulgação da Constituição Federal de 1988 está positivado na nossa chamada Lei Maior direitos e deveres de todo e qualquer cidadão brasileiro, alguns, aplicados também a estrangeiros que residam ou estejam em território brasileiro, estabelecendo a intenção de uma sociedade pacífica e civilizada.
Nesse contexto, vale a pena lembrarmos que existem fundamentos, objetivos e princípios que devem ser seguidos pela República Federativa do Brasil, tal como o respeito à dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III, da CFBR/88), a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, inc. I, da CFBR/88) e promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, inc. IV, da CFBR/88), além da prevalência dos direitos humanos (art. 4º, inc. II, da CFBR/88) e o repúdio ao racismo (art. 4º, inc. VIII, da CFBR/88).
A leitura dos artigos constitucionais acima nos leva a acreditar numa verdadeira sociedade utópica, mas infelizmente, na vida prática, não é exatamente desta forma que acontece, em especial, neste texto voltado à população LGBTQIAPN+[2], que ainda é alvo de preconceitos e discriminação por grande parcela da sociedade, ainda que de forma velada, mas que não permitem o cumprimento da própria Constituição Federal.
O Brasil, embora seja um Estado Democrático de Direito, ainda registra um ranking altíssimo para o cometimento dos chamados crimes de ódio contra a população LGBTQIAPN+, ou seja, aqueles atos de violência ocorridos em razão da discriminação e preconceito em razão da orientação sexual e/ou identidade de gênero do indivíduo, e neste cenário, aqueles que deveriam trazer proteção, lamentavelmente, há muito se omitem do verdadeiro papel que lhes é atribuído, quais sejam, cumprir os fundamentos da república, efetivar os objetivos fundamentais e respeitar os princípios constitucionais, conforme o que antes indicamos.
Dentre os Poderes da União, existem os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, independentes e harmônicos entre si, onde cada qual deve cumprir seu papel de efetivação de direitos em nossa sociedade, onde de forma geral, o primeiro para criação de leis, o segundo para executá-las e o último para aplica-las, porém, a teoria em vezes não é o que acontece na prática.
No que diz respeito ao Poder Legislativo já celebramos em outros momentos sua contribuição com a proteção de direitos de pessoas vulneráveis, como foi o caso do Estatuto da Criança e Adolescente (Lei n. 8.069/1990), Estatuto da Pessoa Idosa (Lei n. 10.741/2003), Lei de inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei n. 13.146/2015), Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006), e muitas outas voltadas de forma específica a um grupo social que necessitava melhor atenção e, de fato, proteção. O mesmo trato não é conferido à população LGBTQIAPN+.
Há muitas décadas o Poder Legislativo é omisso em seu papel de criação de leis que protejam a população LGBTQIAPN+, aliás, pelo contrário, recentemente temos visto a apresentação de projetos de leis que justamente são discriminatórias e preconceituosas, ofendendo diretamente a dignidade da pessoa humana e colocando à margem da sociedade as pessoas LGBTQIAPN+.
Foi a intervenção do Poder Executivo e, principalmente, do Poder Judiciário que ultrapassou grandes barreiras do preconceito e da discriminação, reconhecendo direitos civis, em igualdade e forma de tratamento dos demais membros da população, como, por exemplo, o Decreto n. 8.727/2016 e posterior Lei n. 14.382/2022, reconhecendo a possibilidade de alteração do nome no registro civil, ou, como no ano de 2011 onde o Supremo Tribunal Federal reconhece a união estável homoafetiva ao julgar a ADI 4277 e ADPF 132, que mais tarde também foi utilizada como base para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editar a resolução n. 73, viabilizando o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.
Enquanto de um lado o Poder Legislativo continua sendo omisso, deixando de aprovar leis protetivas e que garantam com segurança jurídica à população LGBTQIAPN+, do outro norte, grandes conquistas foram adquirias via Poder Judiciário.
Ao longo da última década a população LGBTQIAPN+ garantiu direitos como o reconhecimento da união estável e/ou casamento, como já citado, mas também a proibição de discriminação para doação de sangue (ADI 5543), possibilidade de adoção de crianças e adolescentes por famílias LGBTQIAPN+, reconhecimento do crime de homotransfobia (MI 4733) e mais recentemente a extensão da aplicação da Lei Maria da Penha para homens gays e mulheres transgênero e travestis (MI 7452).
Enquanto o Poder Legislativo não atuar de forma específica na criação de leis que visem proteger a população LGBTQIAPN+, não resta alternativa senão recorrer ao Poder Judiciário para que se efetivem direitos e que se combata o preconceito, fazendo jus à uma sociedade que precisa respeitar a dignidade da pessoa humana, ser livre, justa e solidária, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
É o caminho perfeito? Não, mas é o que temos por enquanto. A garantia de direito civis via legislação é muito mais apropriada e resguarda a segurança jurídica, pois deixa positivado de modo claro qual dever e/ou obrigação rege determinado assunto, evitando, o uso de modo transverso de outro Poder da União para resolver temas que inicialmente, talvez, não lhe compete.
[1] Advogado. Pós Graduado em Direito Constitucional e em Direito Processual Civil. Pós Graduando em Direito de Família e Sucessões. Secretário Adjunto do IBDFAM/SC (2023-2025). Vice Presidente da Comissão de Direito das Sucessões da OAB/SC (2025). Presidente da Comissão de Direito LGBTQIAPN+ e Violência de Gênero da OAB/SC – Subseção de São José (2025).
[2] Lésbicas, gays, bissexuais, transgênero e travestis, queer, intersexual, agênero, pansexual, não—binário.
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